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É curioso ver como a nossa crescente preocupação com a limpeza já nos está a prejudicar a saúde.
Há tempos deparei-me com o lema “Vamos todos entrar na luta contra as Bactérias!”, aqui mesmo no nosso Portugal (não importa dizer aqui que entidade oficial o fez), assim como quem tem que enfrentar “crocodilos” que andam por aí à solta escondidos debaixo de cada tapete, ou na extremidade de cada colher de sopa… e é indispensável estar de pistola pulverizadora insecticida, biocida, desinfectante ou outras que tais, em punho… sempre prontos nesta luta ferrenha entre o ser humano e as temíveis e ferozes Bactérias.
Já está estudado, e já começam a pensar seriamente no assunto as sociedades mais desenvolvidas, como a Suíça, por exemplo, porque começamos a assistir a uma crescente percentagem de crianças com alergias várias, incluindo a asma, na população destes países do primeiro mundo.
É um contraste terrível com Cité Soleil, um bairro na capital Port-au-Prince, por exemplo, onde, que pela fome extrema, muitas pessoas são levados a fabricar, para alimento, bolos feitos de lama e água salgada.
Há uma procura, bem no interior de cada Coração, de limpeza… de pureza… e traduzimos isso em gestos, hábitos, cultura…
A excessiva preocupação com esta pureza bacteriana leva-nos a acabar com todas as possibilidades de proliferação destas… e isso leva à inevitável maior sensibilidade quando começa a ser mais raro o ser humano cruzar-se no seu caminho com as ditas Bactérias… o nosso organismo reage de tal modo exagerado que tenta resolver o assunto com uma valente infecção, e estas acontecem das mais variadas formas.
Estamos a tornar-nos, cada vez mais, seres humanos extremamente sensíveis por fora, à superfície de nós. São mais propensas a alergias as crianças da cidade do que as crianças do campo, e não porque as das cidades estejam mais expostas à poluição… mas mais expostas a ausência de bactérias, enquanto que, as crianças do meio rural, menos rodeadas de desinfectantes, desde cedo criam defesas naturais, imunidade, resistência às bactérias nocivas ao nosso organismo.
E tudo isto leva-me a pensar nos tempos do nosso Yeshuah onde era tão clara a divisão entre Sujos e Limpos, ou seja, entre Impuros e Puros.
Já referi por aqui o tipo de lepra que existia neste tempo e nesta cultura.
Aqueles a quem diagnosticavam como caso de lepra (na época era uma doença de pele que tivesse as características que determinavam e que se aplicavam a várias doenças de pele, não somente a lepra), tinham que deixar a sua família e a sua casa, afastar-se das povoações, iam viver para lugares desérticos onde é pouco provável que alguém passe… e se por acaso vêm alguém ao longe que se aproxima devem gritar: “Impuro!... Impuro!...”
E nós pensamos naturalmente que seria um método prático de evitar contágios. Ora, hoje é sabido que a lepra existente nesta região, nestes tempos NÃO ERA CONTAGIOSA. E isto dá tanto o que pensar… a mim chocou-me verdadeiramente a primeira vez que o li.
A lepra, e tantas outras modos de impureza eram por preocupação religiosa e não de saúde pública. O judeu dizia que, se aquela pessoa contraiu lepra é porque Deus o está a castigar de algum pecado que ele ou os seus antepassados cometeram, então, não se deve tocar nele.
O que é contagioso não é a doença, mas o pecado. E ao olhar para alguém que pecou este deixa de ser pessoa e passa a ser pecador. Enquanto não houver evidência de remissão do pecado, é um pecador e não uma pessoa. Deixa de ser Limpo e passa a ser Sujo.
Jesus de Nazaré não viveu assim.
Os testemunhos que nos deixaram as primeiras comunidades de discípulos de Jesus mostram-nos umas vezes um Jesus até chateado com as exageradas preocupações de purificação ritual… quando isso não passava somente de ritual, quando não era o símbolo do que viviam concretamente em cada dia.
“Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade! Fariseu cego! Limpa antes o interior do copo, para que o exterior também fique limpo.”
Mt 23,25-26
“Examina, pois, se a luz que há em ti não é escuridão. Se todo o teu corpo está iluminado, não tendo parte alguma tenebrosa, todo ele será luminoso, como quando a candeia te ilumina com o seu fulgor.»
Mal Jesus tinha acabado de falar, um fariseu convidou-o para almoçar na sua casa; Ele entrou e pôs-se à mesa. O fariseu admirou-se de que Ele não se tivesse lavado antes da refeição. O Senhor disse-lhe: «Vós, os fariseus, limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso interior está cheio de rapina e de maldade. Insensatos! Aquele que fez o exterior não fez também o interior? Antes, dai esmola do que possuís, e para vós tudo ficará limpo.»”
Lc 11,35-41
Jesus não tinha medo de apontar o dedo aos que se auto denominavam “Limpos”. E nestas denominações ele escolheu de que lado quis ficar.
“Após a travessia, pisaram terra em Genesaré. Ao reconhecerem-no, os habitantes daquele lugar espalharam a notícia por toda a região.
Trouxeram-lhe todos os doentes, suplicando-lhe que, ao menos, os deixasse tocar na orla do seu manto. E todos aqueles que o tocaram, ficaram curados.”
Mt 14,34-37
Genesaré era considerado pelos judeus como território pagão, ou seja, quem nele habitasse era pagão, na cultura judaica, quem é pagão é Impuro, “Sujo”. E estes habitantes, além de “Sujos”, ainda levaram a Jesus os doentes, considerados os maiores “Sujos” de entre os “Sujos”, para que Jesus permitisse que eles lhe tocassem.
Não é Jesus que fica “Sujo”, como era a condição deles… antes sentem uma libertação tal dentro de si que se tornam Puros, “Limpos” como Jesus é Puro, “Limpo”.
São pessoas que pecaram, não pecadores.
“… certa mulher, conhecida naquela cidade como pecadora, ao saber que Jesus estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um frasco de alabastro com perfume. Colocando-se por detrás dele e chorando, começou a banhar-lhe os pés com lágrimas; enxugava-os com os cabelos e beijava-os, ungindo-os com perfume.
Vendo isto, o fariseu que o convidara disse para consigo: «Se este homem fosse profeta, saberia quem é e de que espécie é a mulher que lhe está a tocar, porque é uma pecadora!»”
Lc 7,36-39
“Ao descer do monte, seguia-o uma enorme multidão. Foi, então, abordado por um leproso que se prostrou diante dele, dizendo-lhe: «Senhor, se quiseres, podes tornar-me Limpo!» Jesus estendeu a mão e tocou-o, dizendo: «Quero, fica Limpo!» No mesmo instante, ficou limpo da lepra.”
Mt 8,1-3
“E cada um foi para sua casa mas Jesus foi para o Monte das Oliveiras. De madrugada, voltou outra vez para o templo e todo o povo vinha ter com Ele. Jesus, sentando-se, ensinava-os. Então, os escribas e os fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério e colocando-a no meio disseram-lhe: «Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou-nos matar à pedrada tais mulheres. E Tu que dizes?»
Faziam-lhe esta pergunta para o fazerem cair numa armadilha e terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se para baixo, pôs-se a escrever com o dedo na terra.
Como continuavam a interrogá-lo, ergueu-se e disse-lhes: «Quem de entre vós for o sem-pecado que seja o primeiro a atirar uma pedra!» E, baixando-se novamente, continuou a escrever na terra. Ao ouvirem isto, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, e ficou Jesus sozinho e a mulher que continuava no meio. E levantando-se Jesus disse-lhe: «Mulher, onde estão? ninguém te condenou?» Ela disse: «Ninguém, Senhor» Jesus disse: «Nem eu te condeno; vai e desde agora não voltes a pecar»”
Jo 8,1-11
Jesus é uma boa notícia para os impuros, os “Sujos”!
É do lado dos anawîm, dos que estão no chão, que ele se coloca… baixando-se.
É com o dedo Sujo que ele desafia aos que se auto-denominam sem-sujidade que acusam a mulher de ser "Suja", que nem mereça viver.
No meio destes que se auto-denominam “Limpos”, Jesus fica sempre sozinho.
E aquela que pecou é para ele uma pessoa, alguém que ele levanta com ele.
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