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Diz-me com quem andas...

“Chegam sua mãe e seus irmãos que, ficando do lado de fora, pediram a alguém que o chamasse.
Ele estava sentado junto da multidão, quando alguém lhe disse:
«A tua mãe e os teus irmãos estão lá fora, e vêm buscar-te»

Ele respondeu: «Quem são a minha mãe ou irmãos?»
E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta dele, disse:
«Estão aqui a minha mãe e os meus irmãos
, porque quem fizer o que Deus quer, esse é o meu irmão e irmã e mãe.»” Mc 3, 31-3

Ele sempre foi o mais alegre de nós… eu e o André, talvez por sermos da mesma idade, éramos muito unidos, mas quando nos zangávamos é que era… Ninguém nos segurava, com a fúria que nos dava até de querermos fazer um olho negro um ao outro, coisas de miúdos, o sangue fervia-nos mesmo a sério…
Quando isso acontecia só ele, o Yeshu, é que conseguia parar-nos… quem estivesse por perto já nem tentava separar-nos, chamava logo pelo Yeshu. Mas ele nem sempre estava em Nazaré, ia muitas vezes às povoações vizinhas com o pai, procurar trabalho.
É que quando ele estava por ali, eu e o André, até fazíamos as pazes um com o outro. E no final até já ficávamos a rir-nos a valer do motivo da zanga. Eu desconfio que sei como é que o Yeshu conseguia sossegar-nos, ele amava-nos, e ficávamos nós mais aflitos era por deixá-lo preocupado connosco, embora nestas alturas ele se aproximasse de nós sempre em ar de brincadeira.
Parece que ainda o ouço, depois de uma gargalhada, dizer-me: “Isaías… tens o mesmo fogo que o grande profeta… só ainda não percebeste onde estão os ídolos contra os quais queres lutar…”

Quando o Yeshu estava em casa, era sempre uma festa, até parecia que as paredes ganhavam cor. Nada nele era diferente de nós… mas era o nosso irmão mais velho… sempre o amámos tanto! Ele era mesmo amado por todos os que o conheciam, pelo menos nesse tempo era assim.
Agora já não sei… parece que já nem conheço o Yeshu. Desde que correu lá por Nazaré a notícia de João, como era tão diferente a sua presença comparada com a dos sumo-sacerdotes do Templo Sagrado. João, todo ele, respirava a busca da Verdade.
Desde que ouvimos falar de João, o Yeshu deixou de ser o nosso Yeshu.

A mãe já se pergunta se foi por culpa dela… tudo isto… o modo estranho como deixou a nossa casa. Eu e o André só saímos quando arranjámos mulher e casámos… ainda assim, as nossas casas, construímo-las ao lado. Nem saberíamos como fazê-lo de outro modo… é assim, entre o nosso povo.
Mas o Yeshu foi em busca de si próprio, como ele dizia, sem saber bem o que procurava mesmo.
Todo ele respirava alegria e serenidade… mas depois desses dias em que soubemos de João, havia nele uma inquietação permanente, como se intuísse que havia alguma coisa muito importante a fazer, um caminho a seguir, um conjunto de decisões a tomar, uma urgência em assumir alguma coisa muito importante.
Deixou a nossa terra… e agora anda de povoação, não em busca de trabalho, mas em busca de pessoas que tenham fome de liberdade, que tenham fome de dignidade, que tenham fome de amor, que tenham fome… de pão…

Nós só não entendemos porque tem que ser deste modo!!!
Correm rumores que os chefes, de Jerusalém, o querem prender, nem entendo porquê!

O nosso Yeshu, deixou de ser só nosso, lá de Nazaré… e agora, pelo toque de todos é daqueles que o seguem, e se deixam libertar, curar, e se deixam amar, e se deixam saciar, em vez de se tornar ele mesmo impuro, parece que todos eles ficam iluminados por dentro, libertos, curados, amados, saciados.

Oh… mas porque é que ele não vem para casa?...
Porque nos deixa ele assim tão preocupados?
Temos medo que o prendam… temos medo do pior, como fizeram a João. Amamo-lo demais para sequer imaginar que alguém lhe queira mal.
Nós bem observámos como andam a rondá-lo, a vigiá-lo, aqueles do Templo. Eles andaram por Nazaré a fazer perguntas sobre o Yeshu, sobre a mãe e o pai, sobre a existência de rabinos na região e o que com eles tivesse aprendido.
Mas o Yeshu era todo do povo, era todo da vida que se vive todos os dias, com os pés assentes na terra, os braços sempre prontos para o abraço amigo, o olhar sempre atento a quem precisava de uma ajuda, e o Coração cheio de sonhos de liberdade para o nosso povo… e um sorriso, um sorriso inconfundível tem este meu irmão.
Nunca o vi aos pés de um mestre de Leis. O Yeshu sempre foi um judeu cumpridor, a mãe procurava que fosse, mas havia coisas que ele dizia ser absolutamente inúteis e até obstáculo para o milagre do Amor. Vi-o, antes, atento à sabedoria da vida vivida pelos anciãos da nossa aldeia... que ternura tinha por eles!...
É por causa da grande multidão dos que seguem e escutam o Yeshu que os chefes de Jerusalém o andam a espiar… é por causa dessas companhias com quem ele anda… aqueles pescadores rudes e incultos, perigosos também, porque noutros tempos andavam armados e aderiam aos movimentos de libertação do nosso povo, pelo uso da espada. Outros são cobradores de impostos, gente infiel do nosso povo que colabora com o império romano que nos domina. Outros são pagãos, outros cegos, paralíticos, coxos, mudos, surdos… leprosos, prostitutas, e mulheres simplesmente mulheres… todos esses que levam feridas tão profundas dentro de si, que são considerados, julgados, impuros segundo esta nossa Lei tantas vezes injusta…

Yeshu… volta para a tua casa, para a tua terra… volta!...
Ficamos aqui à porta… nós e a mãe não queremos entrar por esta casa dentro, entrar pela tua vida dentro assim
Ficamos aqui à porta, ainda que a multidão se acomode para que entramos.
Não viemos para ficar… queremos que venhas connosco e esqueças esta loucura toda.
Não queremos que ninguém te magoe…

2 comentários:

Rui Vasconcelos disse...

Excelente partilha, Anawim, belo rosto de Jesus, sempre belo, que também aqui partilhas.

Um grande abraço!

José A. Vaz disse...

Yeshu é um entre nós. é o mistério da incarnação com todas as suas consequências. por isso, a nossa história com Yeshu não é uma fantasia...