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«Senhor, eu não sou digno de que estejas debaixo do meu tecto; mas diz uma só palavra e o meu servo será curado. Porque eu, que não passo de um subordinado, tenho soldados às minhas ordens e digo a um: 'Vai', e ele vai; a outro: 'Vem', e ele vem; e ao meu servo: 'Faz isto', e ele faz.»
Mt 8,8-9
Eu tinha falado ao meu centurião deste homem. Chamavam-no de nazareno, os chefes deste povo, era quase sempre em tom irónico, como quem revela a sua origem “saloia”. Mas, para o povo sem nome, ele era carinhosamente chamado por muitos de Yeshu… eu mesmo vi o jeito encantado com que pegava nas crianças ao colo ou qualquer catraio que corresse ao seu encontro… via-se bem como ele não estava nada preocupado em seguir essa lei absurda que os judeus têm sobre a impureza das crianças.
É. Estou há tantos anos destacado aqui neste fim de mundo, que começo a saber de que se ocupa esta gente, que deuses são os deles, e que regras e leis têm entre eles.
Demorei algum tempo até conseguir dominar a língua dos hebreus, mas, talvez por ser tão tagarela, acabei por aprender. Parecia que o meu pai já adivinhava a minha inclinação para a conversa espontânea, dando-me o nome de Gracchus…
Foi por causa de João, a quem conheci primeiro, que soube deste Yeshu. Estive tantas vezes sentado na margem daquele rio, a tentar perceber do que falava com tanta persistência aquele homem, João, até que me fiz baptizar por ele. É, deixei que ele me agarrasse e me fizesse mergulhar ao mais profundo de mim, dentro daquele rio de águas douradas, cor de terra, e deixei que ele me ajudasse a erguer de novo, firmando bem os pés no chão que não via, na terra que não conhecia nem entendia, numa pátria que não é a minha, por alguém que não era da minha cor, em nome de um Deus que só nesse momento desconfiei que era meu também. Este homem tinha palavras que eram como fogo, faziam queimar por dentro tudo o que eu queria lavar, limpar, purificar.
Este João dizia sempre que é preciso estar preparado, eu entendia bem o que ele dizia, porque eu fui treinado para estar sempre preparado… ele falava para estarmos atentos ao que estava para vir.
Já te falei que a vida de um soldado romano como eu, por aqui, é dura demais?
Tenho saudades do lugar onde nasci e cresci. Tenho saudades do abraço da minha Pérola… e sei que já nem conheço os meus filhos, nem eles tão pouco se lembrarão de mim, tão pequenos os deixei.
Aqui, todos nos desprezam, o ambiente entre “colegas” não é propriamente animador, ninguém vem para este fim de mundo por querer, fomos destacados para aqui e tivemos de obedecer aos nossos superiores. Grande parte de nós já sente que esta guerra é absurda.
Obviamente somos odiados por estas gentes daqui, só nos respeitam ao olhar o punhal que sempre trazemos connosco. E, das crianças um bocado mais atrevidas e educadas desde cedo neste ódio mortal pela nossa presença, é chuva de pedritas e insultos que nem sabemos de onde vêm.
Tenho saudades de casa, onde me respeitavam pelo que sou, onde me chamam pelo meu nome e nunca me apelidam de “cão” num dialecto estrangeiro.
Sou o Gracchus, só de João ouvi o meu nome, e parece-me que nasci de novo, ainda que só por instantes.
Mas João foi apanhado e assassinado, como acontece com todos aqueles que são perigosos para os grandes de qualquer terra.
Foi depois que João foi preso que o vi pela primeira vez, ao Yeshu. Houve breves momentos em que não me sentia longe de casa… era quando me sentava discretamente, no meio da multidão para escutá-lo.
A ele o povo chamava-o de “moreh” (homem sábio) porque ele não falava da religião, de leis ou de obrigações a cumprir segundo o culto dos hebreus. Nada disso. Ele falava de coisas que até eu entendia, da minha terra… da semente no campo, da vinha, do salário, da casa feita na areia ou na rocha, da mulher que com fermento faz o pão, da candeia no melhor lugar, da pérola preciosa e do tesouro.
Que homem apaixonado pela vida!...
Calhou-me em sorte um centurião bom. Também ele desejoso de regressar ao calor do seu lar partilhava comigo e os outros subordinados a dureza desta missão que parecia nunca mais terminar. É um homem bom que cuida dos servos como gente da sua própria família, como seus próprios filhos. Quando o pequeno Bali caiu de cama tão enfermo, o meu superior não largava a sua cabeceira, e então falei-lhe do Yeshu, como eram bálsamo as suas palavras, de tal modo docemente poderosas dentro de cada ouvido que o escutava, que toda a escuridão do desespero serenava para só reinar o sol da esperança e da paz.
Fiquei espantado quando o vi, de um salto, perguntar-me por onde andaria esse tal Yeshuah, que correria ao seu encontro.
Que grande foi a festa!... No mesmo momento em que o meu centurião falava com o moreh Yeshu, o pequeno Bali ergueu-se da cama, como se nada fosse, com um sorriso nos lábios e uma fome de bradar aos céus. Não sei a que deuses agradeci eu naquele momento, mas certamente Aquele a quem o Yeshu chama de Pai tantas vezes não me saiu do pensamento.
Mas que homem é este?!
A última vez que o vi estava a ser julgado. É que as palavras dele não eram como as de João… as dele queimavam por dentro e por fora também.
Ninguém que se aproximasse dele poderia continuar a viver indiferente à sua presença. A uns “levantava”, erguia… outros sentiam-se ameaçados, rebaixados. Colocar os olhos nele era como contemplar um lago de águas límpidas e profundas, nele vemos inteiramente aquilo que não somos, vemos o que somos, e o que seremos.
Nunca conheci ninguém que me provocasse assim, que me impelisse com tamanha força a dar um salto para o alto. E sem jamais querer fazê-lo sozinho, mas ligado por laços que não entendo, a outros.
Assassinaram-no aqueles que não queriam ver-se nele…
Derrubaram, arrancaram-lhe a vida que ele tanto amou
Atiraram-no ao chão… e o Pai dele levantou-o
Yeshu… Yeshu… o teu Pai tem-te vivo, levantado,
quero ver-me em ti
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4 comentários:
Meuu Senhor e meu Rei !,em lágrimas lhes falo ,Tem Piedade de mim !
Graças , amo e amo.
Entre a "suspeita de que é Este o nosso Deus, O que nos trata pelo nome" e a certeza de que acreditar n'Ele nos queima por dentro e por fora, vai um caminho imenso, ao mesmo tempo penoso e gratificante...na solidão tantas vezes experimentada e na Esperança partilhada...na aprendizagem permanente de que esse Yeshu que, em nome de Seu Pai, levanta e põe a caminho, acompanha os caminhantes...basta que sejam dois ou três.. A Fé neste Yeshu é UM RISCO!...mas vale a pena apostar!
e que risco, MESMO... vale mesmo a pena, Glória...
Um abraço para ti
Caro Anónimo,
agradeço muito a partilha orada.
Um abraço
Vão quase sete anos sobre este texto em que escreveste sobre tantos rezando a Alegria e o Conhecimento de Um só, daquele que a todos, a esses e a nós, levanta e queima, por dentro e por fora.
Este é mais um relato daqueles que poisam as letras todas no chão que pisamos... com toda a força. Não procura delicadezas. Grita e pergunta porque nos fechamos ao outro, àquele a quem, a diferença basta para se tornar um "mau" e despertar em nós tantos medos e pruridos...
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