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Via em mim reflectido o seu rosto

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Via em mim reflectido o seu rosto
Se o fundo de mim estava sereno…
… o seu rosto era o presente,
se o fundo de mim estava agitado, por me levar ou me tratar com pressa…
… o seu rosto aparecia-lhe desfigurado
no fundo de mim

Cuidam de mim com cuidado, mas já sou velho
Passo de mão em mão
As contínuas idas e vindas gastam-me, desgastam-me
fora de mim já se notam os traços dos meus anos
fora de mim já se podem ver os traços daqueles que me possuíram
e dos que igualmente me “despossuíram”
Levado com ansiedade até ao poço
Sou trazido de lá, como peso que custa levar
já saciei gerações diferentes com a água que consigo levar em mim,
jovens, crianças e velhos, jovens crianças e velhos…

Sou um cântaro
Sou aquele que permite a alegria de saciar
mas também sou o grande peso daqueles que em mim pegam vezes sem fim
Sê-lo-ei até me quebrar todo, e já não for possível um conserto

Gosto de recordar como aquele meio-dia foi diferente.
Quando o sol abraça tudo com toda a força que consegue, eu quase estalava de tanto calor.



Eu e ela vimo-lo já de longe, como estava sentado à beira daquele poço para onde vezes sem conta sou lançado
e vezes sem conta regresso a transbordar de água fresca
Era aí que ele estava sentado, debaixo da árvore que oferece a sua sombra a quem por ali pára.
Não era de cá. Trazia nas sandálias o pó de caminhadas intermináveis.
Estava só… mas parecia esperar alguma coisa ou alguém. Ao vê-lo, ela parou de cantarolar como fazia sempre. Senti a surpresa no seu olhar curioso e escutei-a dizer baixinho:
“Ah… mas parece judeu!...
Que fará um judeu sozinho por aqui?!”

Mais surpreendida ficou quando meteu ele conversa. Coisa estranha demais porque, os judeus, acham-se os mais puros lá do sítio e quem não viver e rezar lá à moda deles não presta.

“Dá-me de beber!” foi o que ele pediu.

A conversa foi longa, do género de conversa que os cântaros não entendem muito. Só uma coisa sabemos, nós os cântaros, é que quando um jovem e uma jovem se encontram junto ao poço (que é coisa quase sempre combinada entre eles) quase sempre acaba em união das Famílias… em Aliança.

Ele começou a conversa pedindo:
“Dá-me de beber!”
E parece-me que depois terminou, para começar de novo de outro jeito quando já ela lhe disse:
“Dá-me de beber!...
… Quero ver-me no Teu rosto,
na Tua vida
Quero ver-me reflectida na Água que és e que dás…”


Samaritana,
naquele dia deixaste-me junto ao poço, esquecido,
quiseste levar as mãos livres,
a tua sede era agora outra.
Correste porque transbordavas de uma água que nunca eu levei,
eras tu cântaro
a transbordar tanto que não conseguias guardar toda essa Água só para ti.
Nesse dia uniste a tua família à Família d’Ele.




“Jesus, cansado da caminhada, sentou-se, sem mais, na borda do poço. Era por volta do meio-dia. Entretanto, chegou certa mulher samaritana para tirar água. Disse-lhe Jesus: «Dá-me de beber.»”
Jo 4,6







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3 comentários:

Rui Santiago cssr disse...

a sedenta torna-se cântaro. Há muito tempo que guardo em mim esta samaritana como um belíssimo ícone da evangelização. Obrigado por esta estória Anawim!

figlo disse...

Um cântaro cansado de saber o que custa carregar a vida e a água que mata a sede do momento...
Um outro "cântaro" com "asas nos pés" que se descobre, extasiado, escolhido e capaz de transportar até transbordar, uma outra Água, inesgotável, sempre fresca, sempre disponível, capaz de saciar todas as sedes...
- "Dá-me de beber!"..."Dá-me dessa Água"!
Quem dela beber, mais do que cântaro, torna-se nascente que não descansa enquanto não vierem todos beber nela...

Maria João disse...

A Água Viva que temos de partilhar ... Já nada mais interessa, se não partilhar com os outros o encontro pessoal com Cristo.

É deste encontro que todos precisamos para deixarmos de viver uma ideologia e passarmos a viver Cristo.

Unidos em oração