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1... Povoado dos pescadores...



Lembro-me, no outro dia, de passarmos pelo povoado dos pescadores...
... aquele dia, era dia de consertar as redes.
Lá estavam, cada um no seu canto naquele paciente desemaranhar lento das redes feitas novelo...
... outros já de agulha, passando os fios, a remendar as malhas que se haviam rompido.
É tarefa impossível de se fazer com impaciência ou pressas.
Seria mesmo anedótico imaginar, ali mesmo, um qualquer profissional citadino.
A maioria desses pescadores estavam sozinhos, outros acompanhados de familiares... mas a conversa era pouca.
Enquanto as mãos estão ocupadas, olhos pousados ora nas redes ora no mar que em cada onda já não lhes trás novidade... conhecem o mar, melhor que os traços dos rostos dos próprios filhos... e a mente desocupada vai divagando...:
Ontem a pesca até foi boa, ou nem sempre é tão boa que dê para ter uma mesa farta e cuidar do tecto sob o qual pouco dorme...
Amanhã... amanhã pode ser que o mar esteja sereno, com um vento favorável
Amanhã... amanhã pode ser que a pesca seja mais abundante
Amanhã... amanhã há contas para pagar e é preciso pôr pão na mesa, para mais um dia
Amanhã... amanhã valerá a pena continuar a esperar alguma coisa do mar...?
Amanhã... amanhã...

É povo rude, sim... é um ofício que não exige estudos, exige empenhamento da vida toda, perseverança... e a vida trás o conhecimento do mar e do vento que nenhum livro ou professor dá.
São mãos calejadas, endurecidas pelas tantas cordas que já não ferem, nem rompem a vida ao passar tantas vezes...
Rostos onde o sol já não "entra" e não queima...
Os dias sucedem-se num atirar as redes... recolher as redes... consertar as redes... para novamente lançar as redes...

Um estranho aproxima-se... mete conversa...
Naqueles Corações, a vida não é complicada e vive-se um dia de cada vez...
... respeita-se o Mar e o Vento, são eles os senhores que lhes dão o "pão" para comer e alimentar os filhos que vão nascendo.
A própria vida é continuamente remendada, como aquelas redes, a até sabem e sentem que mais nada precisam, e por isso pouco ou nada mais esperam, basta que não falte o pão de cada dia.

São conversas de vidas simples e, sem darem conta disso... o estranho tem já os dedos nas redes também, e no meio das conversas ele mesmo nem se apercebeu como fixava já os olhos naqueles emaranhados de tantos fios a pedirem para serem esticados e estendidos na areia da praia...

Conversas de vidas simples sucedem-se e o estranho deixa de ser estranho e já come com eles o peixe assado nas brasas feitas na areia da praia, abrigadas do vento, em frente à casa baixinha e pequena, que serve só para repousar um pouco do trabalho feito.

"E se a vida for mais do que isto?" é a voz do estranho que já não é estranho, mas cujo tom e serena alegria do rosto destoa sempre da rotina pesada e cinzenta ainda que sossegada, de todos os dias...
Aquele rosto cativa o olhar... sim, trás uma conversa diferente que anima um pouco mais os dias... diz sempre alguma coisa de novo!...
Mas o Coração do povo simples respeita o Mar e o Vento e as estações...

"E se é possível viver livre e libertar o Coração do senhorio deste Mar e deste Vento e de tudo aquilo que consegue tornar o Coração doente e tê-lo na mão sem o deixar respirar... e ser?"
O estranho, que já não era estranho, sempre falava numa linguagem estranha...
ai... pareciam uma porção de sonhos impossíveis e loucos demais para acreditar tanto e fazer sorrir...
... mas era tão bom acreditar, um pouco que fosse, era tão bom acreditar...

"E se existe Alguém que ama verdadeiramente, que te respeita e vê e te consola e cura, que não se pode comparar com nenhum mar e nenhum vento, nem com as estações que te dão peixe e pão?"
O Coração duro e agreste dos dias cinzentos... começa, aos poucos, a sentir-se arranhado, interpelado...

"E se é possível ser livre...?
e se é possível ser feliz?...

Venham... vamos deixar as redes dos dias, dos senhorios dos mares e ventos... venham comigo!"

E eles foram com ele.
E eles vão com ele... porque é aqui e agora que isto acontece!...

1 comentário:

Ricardo Ascensão disse...

Ai...
Lindo lindo lindo...


Obrigado Anawim :)