O que é, então, o tempo da Quaresma, senão um tempo de mais intenso Catecumenado nosso… nós que seremos sempre discípulos!?
É assim como que um deixar-se enamorar por Deus… deixar o Coração aberto e disponível para se deixar encantar por Ele…
Começando, por exemplo, por abrir os olhos.
Às vezes é coisa complicada isto de andar de olhos abertos…
Porque para o fazermos bem, temos que fechar os nossos próprios olhos, esses das certezas só nossas… e deixar os olhos de Deus abertos em nós, para vermos através do olhar d’Ele.
Tem a ver com confiança atenta e disponível neste Deus.
No belíssimo poema que nos fala de quem somos nós, no livro do Génesis, depois do relato da Criação das mãos de Deus, vemos como a Humanidade teve vontade de não ser fiel ao Seu Deus Criador, e concretizou a sua infidelidade. E diz o relato que se lhe “abriram os olhos” e percebeu que estava nua.
Deus passeia pelo jardim, saboreando a brisa da tarde, saboreando a Ruah de cada manhã e entardecer... no jardim onde vive a Humanidade.
Ao vê-l’O, a Humanidade esconde-se entre as árvores, e Deus chama por ela… “Ayecá, Ayecá…”
Deus é uma Mãe que chama pelos filhotes quando, por uns instantes, os perde de vista.
Então a Humanidade diz-Lhe que estava escondida justificando:
- Ouvi a Tua Presença livre e feliz no jardim, mas tive medo porque estou nua, e escondi-me. (Gn 3,7-10)
Na infidelidade, esse centrarmo-nos em nós próprios, dá sempre asneira!
Quando queremos abrir os nossos olhos, e deixar de ver pelos olhos do outro, ou dos olhos de Deus… Quando deixamos de ter em conta o outro na nossa vida, e passamos a medi-lo com o nosso olhar tendo-nos a nós como medida. Tiramos Deus do centro, e colocando o nosso olhar no centro de tudo. E onde havia amor, serenidade, liberdade, aceitação do outro tal como é porque o via tal como Deus o vê, reina depois o medo que invade e mina tudo, porque quem se vê a si próprio no centro tem sempre medo de ser tirado daí.
Às vezes penso que o Medo não é o combatido com a Coragem.
O Medo só é derrubado verdadeiramente com a Confiança.
Só quem confia pode conseguir a coragem para derrubar todos os medos.
Quem passa momentos difíceis na vida sabe bem do que falo. Não há coragem que valha em momentos onde o medo impera forte. Só a confiança em alguém nos dá “ganas” para dar o salto da coragem.
No relato de Lucas, sobre aqueles que caminhavam em direcção de Emaús, depois do fracasso que foi a morte do “grande profeta Jesus” (já nem era o Messias, tal era a desilusão inesperada), Jesus põe-se a caminho com eles, enquanto eles falavam sobre o que tinha acontecido, “os seus olhos porém estavam impedidos de reconhecê-lo”.
Pois é. Parece que levavam os olhos demasiado abertos, demasiado centrados em si próprios, demasiado agarrados à esperança triunfante, majestosa e cheia de realeza e força do Messias de Deus escrito em toda a sua História… e levavam o rosto sombrio com este “olhar”.
Mais adiante, no relato, depois da partilha do pão… esse gesto que para Jesus era uma chave tão cheia de significado sobre o Reino, sobre a Família do Abba, “então os seus olhos se abriram, e reconheceram-no; ele, porém, não se via diante deles”.
E eu pergunto, então, o que aconteceu aqui?
Primeiro viam-no e não o reconheciam,
mas depois que deixou de se ver, eles então já começam a vê-lo?
É que na verdade eles fecharam os seus próprios olhos, para finalmente o verem. Descentraram-se de si próprios e aprenderam a ler tudo o que tinha acontecido, com a confiança neste Jesus, aprenderam a ver com o olhar do próprio Deus.
Precisaram de fechar os seus próprios olhos, com as suas próprias certezas, com todas as medidas feitas a partir de si mesmos, para começar a abrir com os olhos do Coração, e ver com os olhos do Outro…
Depois deste momento, Coragem para o testemunhar é que não faltou, é que não houve noite de espécie nenhuma que os detivesse.
É um desafio para nós este abrir os olhos do Coração!
Só amamos, seguimos, e confiamos a quem conhecemos bem.
Então, mais uma vez repito com o profeta Oseias:
“Conheçamos,
esforcemo-nos
por conhecer o Senhor,
iminente, como a aurora, está a Sua Vinda.
Ele virá para nós como a chuva,
como a chuva da Primavera que irriga a terra.”
Os 6,3
3 comentários:
Maravilhosa partilha !
BEM para mim e BOM para cada um de nós.
abraços.
Foi atravéz do convite da Mila que passei aqui e fiquei deliciada!
Com os nossos próprios olhos não conseguimos ver o que de belo está tão perto de nós. Isso só é possível mesmo, com os olhos do coração!
Obrigada! E vou passar aqui mais vezes.
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