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Mosheh, aquele que foi salvo das “águas”

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“Havia uma festa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. Em Jerusalém, junto à Porta das Ovelhas, há uma piscina, em hebraico chamada Betzatá. Tem cinco pórticos, e neles jaziam numerosos doentes, cegos, coxos e paralíticos.
Estava ali um homem que padecia da sua doença há trinta e oito anos. Jesus, ao vê-lo prostrado e sabendo que já levava muito tempo assim, disse-lhe: «Queres ficar são?» Respondeu-lhe o doente: «Senhor, não tenho ninguém que me meta na piscina quando se agita a água, e…”
Jo 5,1-17

… e perguntas-me o que quero e ainda hoje não te sei responder… nem sei bem o meu próprio nome, acho que deixei de ter um, há tanto tempo!...
Sou um desses velhos por dentro e criança por fora. Apodrecido por dentro com as coisas que desejo possuir, e criança por fora pela minha inconstância no agir, na irresponsabilidade das minhas palavras e dos meus gestos, sem querer nada que implique compromissos meus, qualquer coisa que exija de mim ser quem sou, e dar-me assim a alguém.
E quem sou eu?
Deixo-me estar aqui sentado à sombra de um destes cinco pórticos… estou doente, mas já nem sei de quê…
Tu, estrangeiro, que a tantos incomodas, chegas e fazes uma pergunta tão simples… e eu não te sei responder. De algum modo estranho, sinto-me seguro, aí sei com o que conto.

“Queres ficar são?”

Pois… eu sinto ser urgente explicar-te muito bem como é que funcionam as coisas por aqui, no meu mundo, à sombra do meu pórtico. É que nenhum doente, cego, coxo ou paralítico tem a vida mais complicada do que a minha.
Repara como todos se adiantam à procura de ser salvos, e se atiram à minha frente!
Estrangeiro, que vens lá do Norte, da Galileia, que sabes tu da minha vida complicada?
Já tenho ouvido falar de ti, não preciso que tu mesmo me fales de ti. Dizem-me que és o Filho de Deus… ora, ora, e que sabe Deus e o seu Filho da dureza da vida como eu sei?
E mais uma vez perguntas:

“Queres ficar são?”

Seguro mesmo é estar por aqui, mesmo que as águas estejam podres de tão paradas.
Sou um sem nome entre tantos a gemer e aqui ninguém me pede que eu seja mais do que o nada que sou.
Mas sou o que mais sofro entre todos, que não restem duvidas disso a ninguém.
Chegaste, ó estrangeiro, e não me perguntaste o meu nome, nem de onde sou… só me perguntaste se queria ser são, ser salvo, ser curado.
Eu vi-te, no outro dia, fazer a mesma pergunta a outro ali debaixo do outro pórtico… e dele, diante do pouco que dizias, só lhe ouvia o “Pois! Está bem… essa notícia é muito boa, mas não me serve para nada… precisava de ter ouvidos, olhos e pernas para a escutar e acolher na minha vida, como não tenho nada disso, nada feito”
E ainda lá está.
Vias-me distraído e voltaste a perguntar:

“Queres ficar são?”

Estou aqui de olhos tão mergulhados nas águas paradas de mim que já nem me lembro do que é viver fora daqui.
Ó estrangeiro? É mesmo comigo que falas?
Sabes… estou aqui sozinho, ninguém me ajuda a fazer o que é costume, para que eu fique curado. E assim sozinho, sei que não consigo, mas vou continuando à espera que as águas se agitem… no fundo, no fundo… estou mesmo à espera que as águas à minha volta se agitem, se mexam de tal maneira, mudem, que se moldem à minha medida. Que bom vai ser quando o meu mundo for exactamente como eu quero. Então, nesse momento entrarei nele. Pois claro!
Agora não sei viver nele, isso é coisa só dos salvos, dos curados… dos felizes…
Olha bem para mim! Achas que tenho alguma coisa que preste, para nele viver?
Estavas quase a ir embora, dizias que precisavas de continuar o teu caminho… mas ainda perguntaste mais uma vez

“Queres ficar são?”

E nem ouviste mais o que eu pensava… e foste dizendo
“Levanta-te! Pega no que és… e anda!”

Acho que precisaste de o dizer mais umas quantas vezes, até eu desistir de não escutar.
Rendi-me.
Levantei-me, sem que ninguém me tivesse dado a mão. Tu estavas comigo, e ao levantar-me pude ver atrás de ti uma multidão de gente que não me deixaria jamais voltar a dizer que estava sozinho.
Peguei no que era, no que sou… e fui
E não voltei a ser o mesmo

De vez em quando passo por ali, por aquela piscina de Bethzatá… significa “Casa da Misericórdia”… e a algum sem nome que por ali se lamenta da vida e espera a mudança de águas, também eu lhe digo

“Queres ficar são?”
“Levanta-te! Pega no que és… e anda!”

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2 comentários:

BRAGA JOE disse...

ME despertaste o choro da Alegria com suas palavras.OBRIGADO,por você existir,humanizado assim como és.

victor disse...

Grato eternamente... havia também feito um rascunho sobre essa "Casa da Misericórdia" transformada na "Casa da Miséria"... foi bom sentir essas águas moverem-se... agora sinto mais forças para acabar também aquela partilha que comecei...

Deus te habite sempre... sempre...